O auditório da Prefeitura de Camboriú foi palco de uma confusão na noite de terça-feira, 10 de junho, durante a cerimônia de entrega de 36 matrículas referentes à regularização fundiária dos Núcleos Urbanos João da Costa, no bairro Rio do Meio, e do Núcleo Adelaide Borba da Silva, no Centro. O tumulto teve início após o prefeito Leonel Pavan (PSD) se irritar com o discurso do advogado Gustavo Machado, responsável pelo processo jurídico de regularização do núcleo Adelaide Borba.
A situação foi gravada em vídeo. Durante sua fala, Gustavo disse:
“Nós ficamos dois anos após a contratação da nossa empresa pra chegar a esse momento. O trabalho, prefeito, foi feito pelos moradores e pela Regularize. O trabalho do município é o trabalho que é de obrigação do município fazer, que é o trabalho interno, é o trabalho burocrático. Com todo o respeito e a máxima data venia, prefeito, mas o seu governo, desse núcleo que nós fizemos, não foi feito.”
Ao ouvir a fala, o prefeito reagiu de forma exaltada e passou a interromper o advogado aos gritos, questionando se estava sendo acusado. Mesmo com Gustavo tentando contextualizar a afirmação, o microfone foi retirado de suas mãos pelo secretário de Planejamento, Alexandre de Souza Metsger. Durante a confusão, o prefeito proferiu frases como:
“Aqui é a prefeitura, eu sou prefeito!”,
“Na minha casa eu falo, na tua casa tu fala!”,
“Aqui eu falo alto, aqui é a minha casa!”,
“Eu não aceito desafio!”,
“Eu vou recolher aqui e não vou entregar mais nada!”,
“Baixa a bola!”
O advogado foi cercado por pessoas ligadas ao prefeito e conduzido até a porta do auditório, permanecendo do lado de fora com a entrada bloqueada.
“Jamais imaginei que ele teria essa reação”
Em conversa com a equipe de reportagem, Gustavo explicou que foi ao evento acompanhado por sua esposa, para estar junto com seus clientes no momento simbólico da entrega das matrículas, como uma forma de prestar contas sobre seu trabalho. “Não iria fazer uso da palavra, mas vi o prefeito perguntando quantos anos os núcleos esperam para serem entregues, e o governo dele resolveu, então resolvi explicar a situação do nosso processo”, disse.
Gustavo relatou que o processo do núcleo do Golf foi 95% concluído no governo passado, e precisou ser interrompido por conta das eleições, já que esse tipo de atividade não pode ser realizada no período eleitoral, conforme a legislação. Segundo ele, todo o processo já estava em ofício desde o ano passado. Ainda segundo Gustavo, seu objetivo era apenas prestar contas aos clientes e que, por esse motivo, se dirigiu com respeito ao prefeito durante a fala.
Ele declarou: “Eu vejo que ele está desequilibrado, psicologicamente e politicamente, um político de anos jamais tomaria uma atitude daquelas”.
Ameaças de não entrega das matrículas
O advogado também afirmou que as matrículas já estavam registradas nos nomes dos moradores e que o evento era apenas uma formalidade, sem valor jurídico direto. Segundo ele, “aquele evento foi uma mera formalidade, um ato político” e que “o prefeito não tem poder de não entregar as matrículas”, como Pavan ameaçava os moradores no microfone durante a confusão.
Censura?
Gustavo explicou que sua intenção era produzir conteúdo para o Instagram comercial da empresa, razão pela qual sua esposa registrava sua fala em vídeo. Durante a retirada do advogado do auditório, as imagens mostram que sua esposa sofreu duas tentativas de impedir a gravação. No vídeo, é possível ver a assessora de comunicação social do gabinete do prefeito, Judite da Silva Piza, aproximando-se da mulher e fazendo um gesto de negação com o dedo, numa tentativa de censurá-la. Neste momento, outra pessoa da plateia também começa a filmar a situação.
Como Judite não conseguiu impedir a gravação, ela se afastou. Na sequência, um outro servidor da prefeitura se aproximou da esposa do advogado e falou algo que não é audível nas imagens. Em resposta, ela o acusa de tê-la tocado. Ao tentar identificar o funcionário pelo crachá, ele a impediu e se afastou. Ela continuou filmando, afirmando que havia sido tocada. O secretário de Planejamento, Alexandre de Souza Metsger, então interveio, afirmando que ela deveria procurar seus direitos por meio de um advogado, mas orientou que se sentasse e deixasse a reunião continuar.

Desvio de função?
A equipe de reportagem apurou que o homem que escondeu o crachá se trata de Kelson Rodrigues dos Santos, nomeado desde 24 de janeiro de 2025 como Assessor de Diretor de Unidade Escolar, cargo comissionado vinculado à Secretaria Municipal da Educação. As funções do cargo são ligadas à gestão escolar e apoio administrativo. No entanto, Kelson estava no local exercendo atividades típicas de social media, gravando e fotografando o evento.
Caminho judicial
Inicialmente, Gustavo Machado não havia registrado boletim de ocorrência. Disse: “achei melhor não registrar boletim e nem representar contra o prefeito, não queria me incomodar, é uma burocracia processar alguém, um desgaste, achei que não valeria a pena eu perder tempo com isso”.
Entretanto, após comentários feitos por Leonel Pavan na publicação do Camboriú News, o advogado informou que vai entrar com ação judicial por danos morais e difamação: “ele vai ter que provar o que está falando, eu não queria mas vou ter que ingressar com essa ação judicial.”
Nos comentários, Leonel Pavan afirmou que o advogado mentiu, chamou-o de oportunista e reforçou, em diferentes respostas, que o evento era fechado e que Gustavo Machado não havia sido convidado. O prefeito também fez menção ao apelido de “Coronel”, declarando que sempre foi assim e que esse era o motivo de ser chamado dessa forma.
Gustavo demonstrou surpresa com a declaração e questionou a postura: “não entendo como ele se orgulha em ser chamado desse termo, Coronel”.
O advogado também explicou que “não existe isso do evento ser fechado para convidados”, ressaltando que se tratava de um evento público na prefeitura, ao qual qualquer cidadão pode comparecer. Além disso, afirmou que teve o uso da palavra concedido e que foi interrompido por não aceitarem o conteúdo do que estava dizendo.
A cerimônia terminou com o advogado do retirado à força, gritos do prefeito ao microfone e moradores constrangidos. A reação da equipe de governo ao discurso, as tentativas de impedir gravações e a presença de um comissionado fora de função geraram desdobramentos que agora devem parar na Justiça. O prefeito, por sua vez, decidiu dobrar a aposta nos comentários, chamando o advogado de mentiroso e oportunista. O caso, que começou com a entrega de matrículas, terminou como retrato de uma gestão que não tolera ser contrariada.