Os deputados que integram a comissão parlamentar de inquérito (CPI) encarregada de investigar supostas irregularidades na compra de 200 respiradores mecânicos pela Secretaria de Estado da Saúde, colheram, na tarde desta terça-feira (19), mais três depoimentos. Foram ouvidos João Gilberto Rocha Gonçalez, presidente do Instituto Nacional de Ciências da Saúde; Janine Silveira dos Santos Siqueira, gerente de Contratos e Licitações da Defesa Civil; Débora Regina Vieira Trevisan, consultora jurídica da Defesa Civil.
>>> TUDO SOBRE O CASO DOS RESPIRADORES
Conforme o relator da CPI, deputado Ivan Naatz (PL), a proposta das oitivas nesta fase é esclarecer como funciona o trâmite de compras e licitações dentro da estrutura do governo do Estado.
Outros dois depoentes convocados para a sessão não foram ouvidos. Iná Adriano de Barros, técnica em atividades administrativas da Secretaria de Estado da Comunicação, solicitou adiamento da sua participação por ser do grupo de risco para a Covid-19. Já Carlos Eduardo Besen Nau, lotado na Defesa Civil, foi dispensado por já ter prestado informações à CPI.
Na quinta-feira (21), às 10 horas, a comissão prossegue os trabalhos, com a participação de outros quatro depoentes: Carlos Roberto Costa Júnior, assessor jurídico da Secretaria de Estado da Saúde (SES); Luiz Felipe Ferreira, controlador-geral do Estado; Carlos Charlie Campos Maia, diretor de Licitações e Contratos da SES; e Wagner Tadeu Martins Queiroz, engenheiro eletricista da SES.
Licitação do hospital de campanha teria sido mal conduzida
Ouvido por videoconferência, João Gilberto Rocha Gonçalez afirmou que o Instituto Nacional de Ciências da Saúde, associação especializada na gestão de unidades hospitalares, tomou conhecimento do edital para a instalação de um hospital de campanha de 100 leitos em Itajaí por meio da internet, não tendo nenhum contato prévio com integrantes do governo catarinense.
O gestor afirmou que o processo requeria apenas a indicação de propostas financeiras, sem necessidade de apresentação de documentos. “Não se pedia nada no edital, apenas um valor para tocar aquilo. Pelo que entendi no edital, era uma situação de emergência, amparada pela situação de calamidade que está todo o país e apenas exigiam o preço para tocar esses 100 leitos. Quem ganhasse no preço iria apresentar depois as outras documentações comprobatórias.”
Com base nisso, Gonzales disse que apresentou um valor R$ 2,5 milhões abaixo do preço máximo, mas que acabou registrado com apenas dois centavos abaixo do teto por causa de um erro no preenchimento da planilha. O erro, disse, foi reconhecido em mandado de segurança impetrado pela sua empresa, mas ainda assim o Instituto Nacional não foi classificado em primeiro lugar. “Então acharam um segundo ponto para tentar nos desclassificar. A alegação era que não tínhamos cumprido o edital, que não tínhamos cumprido alguns estudos técnicos, os quais agora não lembro.”
A associação, disse, então entrou com um segundo mandado de segurança, que também foi acatado pela Justiça, visto que a exigência alegada não constava no edital. A decisão, entretanto, teria sido desconsiderada pelo governo. Neste momento, o deputado Ivan Naatz questionou Gonzales sobre o que ele acredita que teria motivado esta decisão do governo.
“O que aconteceu internamente eu sinceramente não sei. Eu não tenho nem elementos para falar, porque as empresas que participaram estão no mercado e em vários outros lugares.”
Sobre os respiradores mecânicos, ele afirmou que não considera excessivos os valores aceitos pelo governo para a compra dos aparelhos. “Na minha visão, eu não estou vendo o valor que estão oferecendo como astronômico, pelo que está acontecendo no país e em outros lugares. Não se encontra esse material para comprar.”
O deputado Milton Hobus (PSD) perguntou ao depoente se ele acredita que tenha havido algum direcionamento no processo. “Dizer que houve um direcionamento é difícil por dois motivos. Primeiro, porque foi uma coisa muito rápida e também muito simples para ser direcionada. Na minha visão, o que houve foi má condução daquele processo. As pessoas não tinham habilidades administrativas para conduzi-lo. É isso que enxergo. As coisas estavam sendo conduzidas pela Secretaria de Estado da Defesa Civil, e o que a Defesa Civil entende de condução de um hospital?”
Já o deputado Moacir Sopelsa (MDB) perguntou se o Instituto Nacional de Ciências da Saúde teve alguma participação da compra dos 200 respiradores mecânicos pelo governo do Estado, o que foi negado por Gonzales.
Gerente de contratos nega pressão
A advogada e gerente de Contratos e Licitações da Defesa Civil do Estado, Janine Silveira dos Santos Siqueira, negou qualquer tipo de pressão por parte de representantes do governo nos procedimentos para a contratação do Hospital de Campanha que seria instalado em Itajaí e ressaltou que não teve participação na dispensa de licitação para compra de 200 respiradores mecânicos.
No depoimento, Janine disse que informou à Defesa Civil que seriam necessários seguir vários procedimentos legais para não ocorrer em problemas futuros na contratação do hospital. Disse que a decisão de não repetir a licitação, que fora suspensa pela Justiça, se deu por uma mudança de cenário e que os dois mandados de segurança apresentados contra a licitação e os questionamentos feitos pela Assembleia Legislativa também pesaram nessa decisão.
O relator da CPI questionou se a advogada conhecia o advogado Leandro Adriano de Barros, ex-secretário de Saúde de Biguaçu, pessoa de confiança do ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, e que tinha ligação com a Associação Mahatma Gandhi, que venceu a licitação para instalar o hospital no Pavilhão da Marejada, em Itajaí. Ela informou que já o tinha visto quando estudava em Biguaçu e que o conheceu somente no início do processo, já que ele representava a empresa.
O deputado Fabiano da Luz (PT), indagou a advogada se existia alguma pressão por parte de agentes do governo estadual no direcionamento ou pressa em processos jurídicos e Janine garantiu que não houve pressão. Lembrou que muitos processos de dispensas de licitação são feitos em 24 horas ou 48 horas. Informou que todo o processo da compra do hospital de campanha que o grupo gestor do estado estava ciente.
O deputado Felipe Estevão (PSL) questionou sobre a estrutura de licitações das secretarias da Defesa Civil e da Saúde. Janine falou que o procedimento é praticamente idêntico e que na pasta da Saúde há mais pessoas envolvidas, mas não soube especificar quantos. A advogada encerrou sua participação destacando que em sua avaliação houve até um excesso de zelo na publicação o edital para compra do hospital de campanha, já que a lei determinava pegar três propostas e selecionar o de menor custo.
O depoimento da advogada gerou polêmica entre os membros da CPI, com o alerta feito pelos deputados Moacir Sopelsa e Valdir Cobalchini (MDB), de que as perguntas não tinham relação com o fato determinado da comissão e que todos estão relacionados com a contratação do hospital de campanha em Itajaí. Sopelsa chegou até ameaçar em se retirar da CPI e Cobalchini cobrou convite para ouvir pessoas que ele sugeriu. “Não tenho questionamentos sobre o hospital de campanha. Vim para tratar dos respiradores.”
O presidente da CPI, deputado Sargento Lima (PSL), pediu para o relator que delimitasse os questionamentos à compra dos respiradores, observando que entendia o motivo de que os depoimentos era esclarecer como funciona o trâmite de compras e licitações dentro da estrutura do governo do Estado.
Consultora nega saber detalhes sobre compra dos respiradores
A consultora jurídica da Defesa Civil de Santa Catarina, Débora Regina Vieira Trevisan, afirmou que não conhece o processo de aquisição dos respiradores. Em resposta ao deputado Felipe Estevão, a advogada comentou que apenas soube dos fatos ao ler a reportagem do portal “The Intercept Brasil”.
O parlamentar pediu à depoente qual era a avaliação dela sobre quais seriam os erros no procedimento para a compra dos equipamentos. “Eu não analisei o processo e não conheço os detalhes do edital, então é complexo para eu poder me manifestar”, afirmou.
Ivan Naatz perguntou à consultora se ela tinha conhecimento que o governo do Estado emitiu instruções de procedimentos por meio do decreto emergencial voltado para a pandemia. “Eu não fui informada e creio que a Defesa Civil também não, pois senão eu teria sido informada”, respondeu Débora.
Outra questão feita pelo relator da CPI foi sobre o funcionamento da Secretaria Executiva de Integridade de Governança (SIG). Naatz questionou se a consultora jurídica sabia do funcionamento do órgão. “A Defesa Civil recebeu um e-mail para indicar os participantes se eu fui selecionada. A secretaria foi criada para trazer novas práticas de compliance para o Estado”, esclareceu a depoente.
De acordo com ela, foi realizada uma primeira reunião e depois teve início uma capacitação para todos os participantes. “Mas com o começo da pandemia, tudo foi interrompido”, citou.
(com informações de Ney Bueno e Alessandro Bonassoli)