O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) apresentou no início de 2024 suas alegações finais em um processo de improbidade administrativa que envolve o ex-governador Leonel Arcângelo Pavan e outros ex-integrantes de sua gestão. A ação judicial, que tramita há uma década, acusa Pavan e mais cinco réus de liberação irregular de recursos públicos no valor de R$ 30 milhões, destinados ao Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, Turismo e Esporte (SEITEC) em 2010.
Esse processo, atualmente aguardando sentença, é de grande relevância devido à candidatura de Pavan para a prefeitura de Camboriú, nas eleições municipais de 2024. Caso Pavan seja eleito, mas condenado, ele poderá ser impedido de tomar posse, conforme prevê a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis políticos condenados por atos de improbidade administrativa.
Ação por improbidade administrativa: desvio de finalidade em recursos culturais
De acordo com o Ministério Público, o esquema ocorreu durante o ano de 2010, quando Pavan assumiu o governo estadual após a renúncia de Luiz Henrique da Silveira. Ambos os ex-governadores são apontados como responsáveis pela liberação irregular de verbas do SEITEC, destinadas a projetos culturais, esportivos e turísticos, sem a devida análise técnica e orçamentária.
O MP argumenta que os repasses foram feitos de forma arbitrária, com base em um mecanismo conhecido como “cota do governador”, que permitia aos chefes do Executivo estadual decidir, sem consulta prévia, quais entidades seriam beneficiadas e o montante de recursos a ser liberado. A prática violava os princípios da legalidade e impessoalidade, uma vez que os critérios de distribuição não seguiam normas técnicas ou procedimentos administrativos regulares.
Além de Pavan, a denúncia também inclui os ex-secretários de Estado Gilmar Knaesel, Cleverson Siewert, Valdir Rubens Walendowsky e outros gestores públicos, que teriam participado da execução desses repasses. Segundo o MP, todos atuaram em conluio para desviar os recursos de sua finalidade original, beneficiando entidades privadas sem qualquer justificativa plausível.
O processo judicial: dez anos de tramitação e a espera por uma sentença
O processo, que se arrasta desde 2014, teve diversas fases e passou por múltiplas contestações. A ação foi movida inicialmente após auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, que identificaram irregularidades significativas na aplicação dos recursos do SEITEC. Durante a instrução processual, depoimentos de servidores públicos corroboraram a tese de que as verbas foram direcionadas de forma indevida.
Kliwer Schmitt, servidor do Tribunal de Contas, afirmou em seu depoimento que a “cota do governador” funcionava como uma ferramenta de favorecimento pessoal, em que os recursos públicos eram distribuídos conforme os interesses políticos dos governadores de turno, sem que houvesse qualquer parecer técnico ou justificativa que validasse os repasses. O servidor também relatou que o sistema de aprovação dos projetos era bypassado quando o dinheiro era distribuído por ordem direta do governador.
Além disso, um outro depoente, Névelis Scheffer Simão, destacou que os repasses realizados durante o governo de Pavan e de seu antecessor Luiz Henrique da Silveira sequer passavam pelo crivo dos conselhos estaduais responsáveis, como o Conselho Estadual de Cultura e o Comitê Gestor de Cultura, ambos responsáveis por aprovar os projetos financiados pelo SEITEC. Segundo Scheffer Simão, as liberações eram feitas diretamente pelo governador, sem atender às normas administrativas previstas para a concessão de subvenções.
Com base nesses depoimentos e nas provas documentais anexadas aos autos, o MPSC defendeu em suas alegações finais que a condenação dos réus é a medida mais adequada para punir os desvios cometidos contra o erário público.
O impacto político de uma possível condenação
A proximidade do julgamento com a eleição municipal de 2024 coloca o futuro político de Pavan em xeque. O processo foi considerado concluso para julgamento em 18 de junho de 2024, o que significa que a sentença pode ser proferida a qualquer momento. Se Pavan for condenado em primeira instância, há a possibilidade de recorrer da decisão. No entanto, uma condenação em segunda instância pode inviabilizar sua candidatura, mesmo que ele seja eleito prefeito.
A Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010, estabelece que políticos condenados por improbidade administrativa em decisão colegiada ficam inelegíveis por um período de oito anos. Portanto, caso a Justiça decida pela condenação de Pavan, ele poderá ser impedido de exercer o cargo de prefeito, mesmo que seja vitorioso nas urnas. Nesse caso, o segundo colocado na eleição pode ser declarado vencedor, ou novas eleições podem ser convocadas, conforme a legislação municipal.
Um caso emblemático na gestão pública catarinense
O promotor de Justiça Geovani Werner Tramontin, responsável pela acusação, destacou nas alegações finais que os atos praticados pelos réus não são casos isolados, mas fazem parte de um esquema mais amplo e favorecimentos que teria se perpetuado durante a gestão de Pavan e seu antecessor. Tramontin reforçou que a liberação arbitrária de verbas públicas, sem o devido controle, comprometeu a aplicação de recursos em áreas sensíveis, como cultura, turismo e esporte, prejudicando diretamente a população catarinense.
Além disso, o promotor afirmou que o caso serviu de exemplo para outras ações civis que surgiram posteriormente, em razão de irregularidades semelhantes no governo estadual. A condenação de Pavan e dos demais réus, segundo ele, seria um passo importante para garantir a responsabilização de gestores públicos que agiram em desacordo com as normas administrativas e em prejuízo do erário.
Expectativa de julgamento e cenário futuro
Com o processo já em fase final, a expectativa gira em torno da sentença que será proferida pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Florianópolis. Enquanto isso, Pavan segue em campanha para as eleições de outubro, esperando que o resultado nas urnas seja favorável. No entanto, seu futuro político permanece incerto, uma vez que uma possível condenação poderá encerrar sua carreira política e impedir que ele volte a ocupar cargos públicos nos próximos anos.