O aumento expressivo da presença de moradores de rua na região da rodoviária de Balneário Camboriú trouxe à tona um contraste entre o discurso adotado pela prefeita Juliana Pavan (PSD) nas redes sociais e a realidade vivenciada pelos comerciantes da região. Segundo relatos dos moradores e comerciantes locais, a situação se agravou drasticamente nos últimos meses.
Um comerciante identificado como Luís, que não quer divulgar seu nome completo e o nome de seu comércio, por medo de represálias, relatou o desconforto e a sensação de insegurança vivenciados no dia a dia. De acordo com ele, apesar da região sempre ter registrado casos de moradores em situação de rua, a intensidade dos problemas aumentou significativamente nesta temporada.
“Sempre existiu esse problema por aqui, mas neste verão ficou muito pior. Desde que mudaram a equipe da abordagem social, a situação piorou bastante. Tem gente da abordagem que parece amigo dos moradores de rua, cumprimenta, bate mão, ri junto. Falta pouco pra um pedir uma ‘cedinha’ pro outro”, afirmou Luís.
Outro episódio reforça o clima de insegurança descrito por comerciantes. Luís contou que recentemente foi ameaçado por um morador de rua após tentar limpar a frente do seu comércio. “Ele estava dormindo na porta do meu estabelecimento. Quando molhei a calçada para limpar, ele ficou bravo e começou a me ameaçar”, relatou o comerciante.
Vídeo da prefeita viraliza, mas gera críticas de vereadores e Ministério Público
Um vídeo divulgado pela prefeita Juliana Pavan nas redes sociais em 16 de fevereiro, durante uma ação denominada “Operação Resgate a Vida BC”, chamou atenção por conta do seu tom rigoroso. Com mais de 14 milhões de visualizações, o vídeo dividiu opiniões. Apesar do apoio de uma parte dos internautas, a abordagem gerou forte reação contrária de vereadores e virou pauta para uma audiência solicitada pelo Ministério Público.
No vídeo, Juliana dialoga diretamente com um jovem em situação de rua, oferecendo acolhimento e tratamento, mas deixando clara sua postura dura: “Aqui na rua em Balneário Camboriú não vamos aceitar ninguém. Se quiser ficar aqui, ou trabalha, ou procura ajuda”, afirmou a prefeita.
A gravação foi classificada pelo Ministério Público como “policialesca e sensacionalista”, pois, segundo o órgão, não contribui com soluções reais para o problema. O promotor Álvaro Pereira Oliveira Melo destacou que ações superficiais e midiáticas não apenas falham em resolver a questão, como também podem gerar preconceitos e hostilidade contra essas pessoas.
Ministério Público pede ações concretas
Preocupado com o tom da abordagem da prefeita e possíveis descumprimentos de decisões judiciais, o MP solicitou uma audiência com representantes da Prefeitura e Guarda Municipal. Segundo o promotor Álvaro Pereira Oliveira Melo, o objetivo é discutir o cumprimento de uma decisão judicial que proíbe a Guarda Municipal de realizar conduções forçadas durante abordagens sociais. O encontro também visa discutir medidas mais efetivas e menos centradas em gerar engajamento online. Segundo o promotor, Balneário Camboriú carece há anos de políticas estruturais adequadas, vagas para internações compulsórias e assistência psiquiátrica suficiente.
O promotor Álvaro Melo defende ainda que o problema seja tratado com responsabilidade técnica e sem sensacionalismo, e sugere colaboração com o Ministério Público Federal para criar soluções conjuntas em âmbito estadual.
Câmara cobra ações eficazes
Na Câmara de Vereadores, a gravação também gerou críticas. Durante sessão realizada em 25 de fevereiro, o vereador Marzinho Miranda (PRD) classificou o vídeo da prefeita como agressivo e desnecessário, cobrando uma política pública consistente e ações técnicas e humanas, não apenas midiáticas.
“A questão das pessoas em situação de rua não é exclusiva de Balneário Camboriú, é nacional. Temos que enfrentar isso com seriedade, não com vídeos sensacionalistas para gerar curtidas. Precisamos de resultados concretos”, afirmou o vereador.
Marzinho sugeriu que a prefeita tomasse como referência ações realizadas em cidades como Marília (SP), citando especificamente o trabalho do prefeito Vinícius Camarinha, que segundo ele, realiza abordagens humanizadas e respeitosas, efetivamente ajudando quem necessita.
O vereador Guilherme Cardoso (PL) complementou, reforçando que, apesar da popularidade do vídeo, nada mudou efetivamente nas ruas. Ele destacou inclusive que a mesma pessoas que apareceu sendo abordada no vídeo da prefeita segue vivendo na mesma condição próximo à Câmara Municipal.
Diante disso, Guilherme propôs que a nova direção da Abordagem Social vá à Câmara prestar esclarecimentos, para discutir conjuntamente soluções práticas e concretas para o problema na cidade.
Mudanças polêmicas na direção da Abordagem Social
Logo no início de 2025, a Diretoria da Abordagem Social passou por uma troca que gerou polêmica na cidade. Após três semanas no cargo, Peterson Alan Boll foi substituído por Amarildo Sartor, ex-diretor do mesmo setor em Itajaí.
Amarildo esteve à frente da Abordagem Social de Itajaí durante um episódio que ficou conhecido como “Operação Tadeu”, em outubro de 2023, quando cerca de 40 moradores de rua foram retirados de forma forçada pela polícia e deixados às margens da BR-101, em direção a Balneário Camboriú.
A Prefeitura de Itajaí, à época, negou conhecimento prévio da ação e afirmou que não havia registro de atendimento das equipes municipais naquele episódio, gerando indignação entre moradores de Balneário Camboriú, que viram na ação uma transferência irresponsável de problemas sociais entre cidades.
Durante esse período, nossa equipe de reportagem entrou em contato com Amarildo sobre o caso específico de um morador em situação de rua que havia desaparecido há anos e cuja família buscava reencontrar. Amarildo respondeu que, devido a problemas burocráticos em licitações, a abordagem social não tinha condições de emitir passagens para retorno à cidade natal – algo que já é feito habitualmente em Balneário Camboriú. Após nossa equipe oferecer custeio da viagem, Amarildo afirmou que levaria o homem pessoalmente, porém, nunca forneceu um retorno definitivo sobre o caso.
A “Operação Tadeu” intensificou debates em Itajaí e se tornou pauta central nas eleições municipais vencidas por Robson e Rubens (PL), que prometeram ações mais efetivas para resolver o problema dos moradores de rua, implementando em janeiro deste ano a operação “Recomeço”.
Após a vitória eleitoral do PL em Itajaí, Amarildo deixou a cidade e foi nomeado pela prefeita Juliana Pavan, primeiro como diretor do Teatro Municipal Bruno Nitz e, posteriormente, como diretor da Abordagem Social em Balneário Camboriú.