Balneário Camboriú, um dos destinos turísticos mais cobiçados do sul do Brasil, enfrenta um paradoxo moderno em suas vias públicas. A cidade, que se orgulha de sua infraestrutura turística e beleza natural, apresenta um cenário conturbado quando o assunto é a mobilidade urbana sustentável. A introdução das ciclofaixas, inicialmente celebrada como um avanço para a mobilidade e o lazer, revelou-se uma fonte de tensões, acidentes e desafios regulatórios.
Com aproximadamente 46km de extensão, a malha cicloviária de Balneário Camboriú foi projetada para atender tanto a população local quanto os turistas. No entanto, a realidade enfrentada diariamente por seus usuários dista do ideal planejado. Superlotação, uso indevido por menores de idade e uma flagrante falta de fiscalização e manutenção somadas a falta de regras compõem o quadro problemático das ciclofaixas.
O Coração do Problema
O uso das ciclofaixas por veículos elétricos, como patinetes, ciclomotores e até bicicletas motorizadas, é uma das principais fontes de conflito e perigo. A ausência de uma legislação específica, que regule de maneira eficaz o tráfego nessas vias, cria um ambiente onde a insegurança predomina. A situação é agravada por acidentes graves, sendo um deles com vítima fatal, como o trágico caso do jovem bombeiro Jefferson Lopes, cuja vida foi ceifada em um acidente envolvendo um ciclomotor na ciclofaixa da Estrada da Rainha.
A superlotação das ciclofaixas, especialmente durante a alta temporada, é outro ponto crítico. O aumento exponencial no número de usuários, incluindo turistas deslumbrados com a facilidade de locomoção, mas frequentemente despreparados para a convivência harmônica e segura nesse espaço compartilhado, evidencia a necessidade urgente de ações regulatórias e educativas.
A Falha na Fiscalização e Manutenção
A falta de fiscalização efetiva e manutenção adequada das ciclofaixas contribui significativamente para o cenário de caos observado. Buracos, rachaduras e a ausência de sinalização clara são reclamações frequentes dos usuários, que se veem obrigados a navegar em um terreno não apenas fisicamente, mas também regulatóriamente instável. O desrespeito às regras de trânsito, a invasão de faixas e o comportamento imprudente de alguns usuários exacerbam o risco de acidentes, colocando em cheque a segurança de todos que compartilham esse espaço.
Acidentes Marcantes e a Voz dos Usuários
Os últimos anos têm sido marcados por uma série de acidentes graves nas ciclofaixas de Balneário Camboriú, colocando em evidência a crescente problemática de segurança. Um dos casos mais chocantes ocorreu em 2021, envolvendo o bombeiro Jefferson Lopes, que, ao descer a ciclofaixa da Estrada da Rainha, colidiu com uma scooter, levando a sua morte após um mês de internação. Este incidente trouxe à tona a questão da circulação de ciclomotores nas ciclofaixas, na época proibida por decreto municipal, mas insuficientemente fiscalizada.
Em 2024, a situação não mostrou sinais de melhora. Incidentes notáveis, como o caso registrado em 9 de março, envolveu um patinador e um usuário de patinete elétrico, resultando em lesões sérias, incluindo a quebra de costelas e vértebra, além de um derrame pleural. A Polícia Civil investigou o caso como tentativa de homicídio.
Menos de uma semana depois, em 14 de março, outro acidente ocorreu na ciclofaixa da Avenida Normando Tedesco, onde um ciclista foi atingido por um patinete de aluguel ocupado por duas pessoas. A falta de fiscalização e o comportamento imprudente dos usuários foram destacados como preocupações.
Além desses incidentes, Ésler Ferron compartilhou sua experiência traumática em 6 de fevereiro de 2024, quando foi gravemente ferido, em um acidente envolvendo bicicletas e patinetes que quase o deixou paraplégico. Ele criticou a resposta das autoridades e a falta de regulamentação adequada. A história de Ésler é um testemunho assustador da realidade enfrentada diariamente por quem busca nas ciclofaixas uma alternativa saudável e ecológica de locomoção.
Na semana seguinte, os bombeiros atenderam a três chamados em ciclofaixas locais, incluindo uma queda de bicicleta e dois atropelamentos, um por patinete elétrico e outro por um ciclista.
O impacto desses acidentes reverbera na comunidade local e entre os turistas, alimentando um ciclo de insegurança e medo.
A perspectiva dos usuários
Moradores e frequentadores das ciclofaixas expressam uma preocupação constante com a falta de segurança. Relatos de confrontos diretos com veículos não autorizados e a imprudência de outros usuários são comuns.
O descontentamento se estende ao uso indevido de veículos elétricos de aluguel, como patinetes e bicicletas, por pessoas sob o efeito de álcool e por menores de idade. A facilidade de acesso a esses veículos, combinada com a ausência de supervisão adequada, agrava o risco de acidentes. Usuários clamam por regulamentações mais rigorosas e por uma fiscalização ativa, capaz de garantir a coexistência pacífica e segura entre os diferentes modais de transporte na ciclofaixa.
“Transito todos os dias de bicicleta pela ciclovia, e a cada dia fica mais perigoso. As leis de trânsito não se aplicam aos patinetes. Além disso, a ciclovia virou uma bagunça, com carros de Uber estacionando para desembarcar passageiros, vendedores ambulantes bloqueando a via com carrinhos de roupas para atender turistas, motos elétricas que são cada vez maiores e mais rápidas ocupando o espaço como se fosse só deles, sem contar as crianças e adolescentes que demonstram zero educação e respeito pelos demais usuários da via”, relata a moradora Samantha.
Veículos elétricos de aluguel
Em Balneário Camboriú, há uma variedade de serviços de aluguel de veículos elétricos oferecidos por meio de aplicativos e em lojas físicas:
- FG e GoMoov:
- Introduziu 50 bicicletas elétricas em outubro de 2022, com planos de adicionar mais 100 até julho de 2023.
- Velocidade máxima de até 23km/h, recomendado para maiores de 18 anos, e aconselha-se o uso de capacete.
- JET:
- Disponibilizou 200 patinetes elétricos em fevereiro de 2024.
- Usuários são instruídos sobre as regras de circulação, com velocidades reguladas em diferentes áreas: 6 km/h em calçadas, 15 km/h em avenidas e 20 km/h em ciclovias.
- Pulga Mobi:
- Oferece serviço de aluguel de patinetes elétricos desde maio de 2022.
- Recomenda o uso nas ciclovias ou faixa da direita das ruas, e nas calçadas, os patinetes devem ser conduzidos manualmente.
Além dos aplicativos, diversas lojas na cidade oferecem aluguel físico de bicicletas, bicicletas elétricas, ciclomotores, patinetes elétricos e triciclos, proporcionando uma ampla gama de opções para quem busca mobilidade elétrica em Balneário Camboriú.
Desafios regulatórios e a falta de infraestrutura
A falta de regras claras e fiscalização efetiva nas ciclofaixas, especialmente na Avenida Atlântica em Balneário Camboriú, tem sido uma preocupação desde a implementação desses espaços. Em 2019, o prefeito Fabrício Oliveira promulgou o Decreto nº 9.413 para regulamentar a circulação de veículos elétricos, como patinetes e bicicletas elétricas, nas vias públicas da cidade.
Este decreto estabeleceu normas específicas, como:
- Permissão para condução de patinetes apenas em ciclofaixas ou ciclovias, com limite de velocidade de 20 km/h.
- Restrição de uso de patinetes na ciclofaixa da Avenida Atlântica durante certos horários nos fins de semana e feriados.
- Proibição do uso de patinetes em calçadas.
- Regras para circulação de bicicletas elétricas em ciclovias e ciclofaixas, incluindo equipamentos de segurança obrigatórios e uso de capacete para o condutor.
- Proibição de ciclomotores na ciclofaixa.
No entanto, em outubro de 2021, o Decreto nº 9.413 foi revogado pelo Decreto nº 10.572, deixando a ciclofaixa operando sem um conjunto claro de regras. Embora as placas indicativas das regras antigas ainda estejam presentes na ciclofaixa, essa contradição entre a revogação do decreto e a presença das placas sugere uma falta de clareza por parte da administração municipal. Isso contribui para a percepção de desregulamentação aparente da ciclofaixa e questiona a eficácia das placas na orientação e fiscalização do uso do espaço.
Resolução nº 996/2023 do CONTRAN
A Resolução nº 996/2023 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), em vigor desde 03 de julho de 2023, representa um avanço significativo na regulamentação do uso de bicicletas elétricas, ciclomotores e outros veículos individuais autopropelidos em todo o Brasil. Esta resolução visa esclarecer as diferenças entre esses veículos e oferecer diretrizes claras para seu uso seguro e regulamentado.
De acordo com a resolução, os veículos são definidos da seguinte forma:
- Ciclomotor: Veículo de duas ou três rodas, equipado com um motor de até 50 cm³ e cuja velocidade máxima não excede 50 km/h.
- Bicicleta: Veículo de propulsão humana, com duas rodas, que não é considerado similar a motocicletas, motonetas ou ciclomotores para os efeitos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
- Equipamentos de mobilidade individual autopropelidos: Inclui patinetes, skates e monociclos motorizados.
A Resolução nº 996/2023 do Contran estabelece diretrizes específicas relacionadas a características dos veículos, como potência do motor, velocidade máxima de fabricação, equipamentos obrigatórios, necessidade de registro e emplacamento, além de habilitação para condução.
Para as bicicletas elétricas, a norma determina que devem possuir um sistema que ative o motor apenas quando o condutor estiver pedalando, além de serem equipadas com indicador de velocidade, campainha, sinalização noturna dianteira e lateral, e espelhos retrovisores.
Em relação aos ciclomotores, motocicletas e motonetas, a norma destaca a obrigatoriedade de registro e emplacamento desses veículos.
Para a condução de ciclomotores, é obrigatória a obtenção da Autorização para Conduzir Ciclomotores (ACC) ou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na categoria A.
Os equipamentos de mobilidade individual autopropelidos e as bicicletas elétricas devem seguir as mesmas regras de circulação aplicáveis às bicicletas convencionais, circulando em condições semelhantes.
A responsabilidade de regulamentar a circulação dos equipamentos de mobilidade individual autopropelidos, dos ciclomotores e das bicicletas elétricas fica a cargo dos órgãos locais de trânsito.
Reurbanização da orla
A reurbanização da orla é vista por muitos como uma potencial solução para os problemas enfrentados na ciclofaixa de Balneário Camboriú. O projeto visa criar um amplo espaço que inclui uma ciclovia padronizada, com duas faixas separadas para cada direção, além de uma pista de corrida separada. No entanto, embora haja expectativas de melhoria, o espaço dedicado à micromobilidade permanecerá praticamente o mesmo, com a principal mudança sendo a remoção de pedestres e corredores da via destinada às bicicletas.
Com a duração prevista da obra de reurbanização de até quatro anos, surge a preocupação sobre como a ciclofaixa da Atlântica será regulamentada durante esse período. Atualmente, a falta de regras claras deixa os usuários em uma situação onde prevalece a mentalidade de “cada um por si”. Diante desse cenário, os usuários são instados a cuidarem-se, assumindo uma postura de autoproteção em meio à falta de regulamentação efetiva.