A empresária Sandra Bronzina tinha 13 anos quando foi raptada por um estranho ao deixar o seu colégio em Balneário Camboriú. Ela foi estuprada durante uma hora e meia pelo sequestrador e precisou implorar para ser libertada com vida. O agressor só foi localizado e preso meses depois. No dia em que seria proferida a sentença, Sandra teve de entrar sozinha numa sala onde a maioria dos presentes era de homens. O advogado do réu era Cláudio Gastão da Rosa Filho, agora conhecido nacionalmente por ter agredido verbalmente a influenciadora Mariana Ferrer no processo por estupro de vulnerável que ela moveu contra o empresário André de Camargo Aranha.
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Sandra já sofria com traumas da infância. Ela foi abusada sexualmente pelo pai quando era criança e o denunciou aos 11 anos, após assistir a uma aula na escola que a fez entender o que era um crime de pedofilia. Hoje com 29 anos, Sandra assistiu ao vídeo em que Mariana Ferrer foi humilhada por Gastão da Rosa. As cenas a fizeram lembrar de como o advogado agiu exatamente da mesma forma em seu caso.
“Minha mãe foi impedida de me acompanhar na audiência. Ela pediu para que eu tivesse cuidado com as palavras, porque meu estuprador era um homem endinheirado e havia contratado o melhor advogado de Santa Catarina. Tranquilizei minha mãe e disse que tinha a verdade ao meu lado. Mas, quando entrei na sala, a primeira coisa que Gastão falou para mim foi: ‘eu já vi aqui que você foi estuprada pelo seu pai antes’. Como um homem estudado olha para uma criança e diz algo desse tipo? Eu fiquei revoltada. Disse a ele que não entendia o motivo da pergunta, porque o crime cometido pelo meu pai em nada diminuía a gravidade do crime que o cliente dele havia cometido. Ele já estava querendo fazer um drama psicológico em cima da história do meu pai”, disse Sandra, em entrevista a VEJA.
Na ocasião, o sequestrador foi condenado pelos crimes a ele imputados, mas Sandra não esqueceu a forma como foi tratada pelo advogado na audiência. Anos mais tarde, aos 25, ela encontrou Gastão da Rosa numa festa de premiação. “Resolvi cumprimentá-lo. Na hora que cheguei, ele esticou a mão e se apresentou. Disse que o conhecia, pois ele havia defendido meu estuprador quando eu tinha 13 anos. Para minha surpresa, ele repetiu a mesma frase: ‘eu lembro de você, você já tinha sido estuprada pelo seu pai antes’. Fui ao banheiro chorar e entrei em pânico. O Gastão me ligou depois, pediu desculpas e me disse que nunca mais defendeu um estuprador após o meu caso. Como se viu na audiência da Mari Ferrer, o que ele falou para mim não era verdade. É um sujeito sem escrúpulos e com zero sensibilidade”, afirma Sandra.
Para ela, o país precisa aproveitar a discussão em torno do caso de Mariana Ferrer para desenvolver um sistema mais humanizado no acolhimento às vítimas de estupro. “Isso acontece com muitas Marianas. Após o estupro, meu exame de corpo delito foi feito por um homem. Na delegacia, a psicóloga me perguntou se eu tinha sentido um orgasmo. Depois, perguntou por que eu estava chorando quando soube que o meu hímen havia sido rompido. Eu era só uma criança de 13 anos. Pessoas como o Gastão só contribuem da pior forma para esse sistema. É preciso haver um protocolo que impeça o advogado de tratar as vítimas dessa forma em casos de estupro”, disse Sandra.
VEJA procurou Gastão da Rosa para se manifestar a respeito do caso, mas ele não retornou as mensagens enviadas. Nesta quarta-feira, 04, a Comissão Nacional da Mulher Advogada, da OAB Nacional, condenou as agressões proferidas pelo advogado e considerou que o tratamento recebido pela vítima foi inadmissível. “A violência de gênero não pode ser usada como estratégia de defesa”, diz o comunicado. André Aranha, o cliente de Gastão da Rosa, foi absolvido da acusação de estupro, mas a defesa de Mariana Ferrer pretende recorrer.
Fonte: Veja